terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O impacto das transações de alta frequência:


manipulação, distorção ou um mercado que funciona melhor?

Parece ficção científica — alguma coisa saída de Eu, robô, ou do Exterminador, em que as máquinas tomam o controle do mundo. No entanto, as “transações de alta frequência” totalmente automatizadas fazem parte hoje do mercado acionário — uma parte, aliás, bastante significativa.

De acordo com algumas estimativas, as transações de alta frequência por parte de bancos de investimentos, fundos de hedge e outras empresas respondem por um percentual de 60% a 70% de todas as transações com ações americanas, o que explica o enorme aumento no volume de negócios no decorrer dos últimos anos. A estimativa de lucros, em 2008, era de US$ 8 bilhões a US$ 21 bilhões.

Alguns observadores do mercado, membros do Congresso e órgãos reguladores, se dizem preocupados. Esses lucros estariam saindo do bolso de investidores comuns? Será que o mais recente esquema de enriquecimento rápido de Wall Street prejudicará observadores inocentes? “Acho que seria muito bom se as pessoas compreendessem o objetivo dessas estratégias”, diz Robert F. Stambaugh, professor de finanças da Wharton. “Qual o efeito disso sobre os mercados? Há um quê de 2001: uma odisseia no espaço nisso, já que cria um certo clima de desconfiança.

Seus defensores afirmam que as transações de alta frequência melhoram a liquidez de mercado, contribuindo dessa forma para garantir que haja sempre um comprador ou vendedor disponível quando surge o desejo de negociar. Por enquanto, o comércio de alta frequência não parece ameaçador para diversos professores da Wharton. Na verdade, ele pode até ser benéfico para os investidores de fundos mútuos e outros participantes do mercado reduzindo os custos do comércio. Ao mesmo tempo, porém, muitos afirmam que não há informações suficientes sobre a forma como funciona o comércio feito à velocidade da luz, e se ele pode ser usado para manipular os mercados; ou ainda, se decisões aparentemente positivas das diferentes partes envolvidas podem interagir e gerar uma nova crise financeira.

“As transações de alta frequência são feitas por investidores equipados com bons computadores e que se aproveitam de pequenas discrepâncias nos preços”, observa Marshall E. Blume, professor de finanças da Wharton. “Em geral, os economistas acham que esse tipo de prática empurra os preços de volta para o patamar em que devem ficar [...] Se isso traz liquidez para o mercado, e torna os preços mais precisos, então é bom. Há, porém, uma preocupação que é difícil de documentar, e que consiste no fato de que, de algum modo, esses traders manipulam o mercado, o que seria ruim.”

Transferir a tomada de decisões para as máquinas nem sempre foi bom para os seres humanos, observa Itay Goldstein, professor de finanças da Wharton. “As pessoas acham que o colapso de 87 foi consequência de transações feitas por computador.” No caso, um ciclo vicioso saiu de controle na medida em que os programas computadorizados empregados nas transações comerciais jogaram as ações no fundo do poço em resposta à queda dos preços, levando outros programas a fazer o mesmo.

Viajando à velocidade da luz

Transações de alta frequência são transações computadorizadas que visam ao lucro tomando por base condições excessivamente efêmeras para serem exploradas pelo homem como, por exemplo, um aumento minúsculo no spread entre o lance e o preço de oferta de um título qualquer, ou uma pequena diferença de preço de uma ação negociada em várias bolsas. A transação é tão rápida que algumas empresas chegam a instalar seu grupo de servidores próximos dos computadores das bolsas para diminuir a distância que os pedidos precisam percorrer nos cabos à velocidade da luz.

As transações de alta frequência, cuja existência se deve à proliferação dos computadores de alta velocidade, foi também consequência de diversas mudanças regulatórias. Em 1998, a Regulamentação de Sistemas Alternativos de Comércio da Comissão de Valores Mobiliários e de Câmbio (SEC) abriu as portas para as plataformas de comércio eletrônico com o objetivo de competir com as principais bolsas. Passados alguns anos, as bolsas começaram a cotar preços em relação ao pêni mais próximo e não com base em 1/16 do dólar, fazendo com que os spreads entre o lance e o preço de oferta diminuíssem, obrigando os traders que ganhavam com essas diferenças de preços a sair em busca de alternativas. Por fim, o Regulamento da SEC para o Sistema de Mercado Nacional, de 2005, obrigou a colocação dos pedidos em todo o território nacional, e não apenas em algumas bolsas. Isso permitiu que os traders mais ágeis lucrassem no momento em que uma ação era negociada a um preço ligeiramente distinto em uma bolsa em relação à outra.

Ainda sob o efeito da crise do subprime, os órgãos reguladores e as instâncias legisladoras continuam bastante atentas a possíveis ameaças a produtos e estratégias pouco conhecidos de Wall Street. O alarme soou no verão com o advento dos “pedidos relâmpagos”, um subconjunto das transações de alta frequência que explora as brechas do sistema regulatório e informa a traders privilegiados sobre a existência de pedidos numa fração de segundos antes de sua transmissão para os demais operadores. O comércio relâmpago foi amplamente condenado por conferir a uns poucos privilegiados vantagens desleais.

“Há quem tire proveito da situação, o que pode gerar abusos, mas nem todos o fazem”, observa Franklin Allen, professor de finanças da Wharton. “É uma espécie de front running.” Essa prática, geralmente considerada ilegal, consiste na obtenção de lucros ilícitos por meio do uso de informações obtidas antecipadamente e que permitem ao negociador tomar a dianteira em uma transação em relação aos demais operadores. Exemplo típico disso ocorre quando um trader recebe um pedido de um cliente para comprar ações por até US$ 10 cada. O corretor compra as ações ao preço de mercado de US$ 9,75 e as vende a seu cliente por US$ 10, fraudando-o em 25 cents por ação. Nos pedidos relâmpagos, o mesmo pode acontecer, de forma mais rápida e com maior frequência.

O comércio relâmpago parece estar desaparecendo. Em meados de setembro, a SEC propôs seu banimento, e a Nasdaq decidiu proibir prontamente a prática. Várias empresas que haviam proposto essa prática a seus clientes abandonaram o negócio. A proibição da SEC exige um segundo voto por parte dos diretores para que seja regulada.

Como muita gente tem dúvidas sobre a diferença, a polêmica em torno do comércio relâmpago aumentou muito as dúvidas sobre as transações de alta frequência, que recorre a estratégias, ao que tudo indica, perfeitamente legais. Em alguns casos, os traders desse tipo de comércio testam os preços emitindo pedidos de compra ou venda que são retirados em milissegundos, conferindo àqueles profissionais o insight necessário sobre a disposição do investidor em negociar seus ativos a preços específicos. Traders de alta frequência podem também obter pequenos lucros durante milhões de vezes por meio de “descontos” dados pelas bolsas aos participantes dispostos a comprar e a vender sempre que há escassez de operadores no mercado.

Ganhadores e perdedores

Se o operador de alta frequência ganha bilhões, será que alguém — o investidor comum, por exemplo — estaria perdendo dinheiro?

Gus Sauter, diretor de investimentos da empresa de fundo mútuo Vanguard Mutual, acredita que não, e salienta que o mercado acionário há séculos trabalha com intermediários. Para garantir a liquidez — disponibilidade constante de ações, compradores e vendedores — esses “artífices do mercado” completam as vendas comprando e vendendo por contra própria sempre que não conseguem juntar imediatamente compradores e vendedores. Eles saem lucrando graças à diferença entre os preços de lance que os compradores estão dispostos a pagar por uma ação e os preços de oferta que os vendedores estão dispostos a aceitar. Os negociadores de alta frequência levaram essa dinâmica para o século 21, diz Sauter, explicando que os lucros obtidos são “provavelmente menores do que os retirados do sistema” previamente pelos negociadores tradicionais. “Se estivessem fazendo o que fazem sem computadores, nós os chamaríamos de artífices do mercado”, diz.

De acordo com Blume, os investidores individuais comuns que adotam estratégias de compra e retenção de longo prazo não devem suspeitar que os lucros dos traders de alta frequência estejam saindo do seu bolso, já que esses bilhões são constituídos por pequenas somas espalhadas por milhões e milhões de transações.

Na verdade, diz Sauter, os pequenos investidores do Vanguard se beneficiaram de uma redução significativa dos custos das transações por causa das transações de alta frequência. Entre esses custos, que incidem sobre os “índices de gastos” com que os investidores de fundos estão familiarizados, está o spread de lance e preço de oferta. Um spread amplo significa que o fundo deve pagar bem mais para adquirir uma ação do que o valor pelo qual poderia vendê-la no mesmo instante. As transações de alta frequência reduziram esse custo estreitando os spreads, diz ele. Em geral, spreads amplos são sinônimo de ineficiência, já que compradores e vendedores têm dificuldade em chegar a um preço que reflita com exatidão o que se sabe sobre uma ação. Spreads acanhados indicam que o mercado está funcionando melhor.

Outro custo de transação decorre do fato de que o enorme volume de transações de uma empresa de fundos pode empurrar os preços para cima ou para baixo ao mexer no equilíbrio da oferta e da demanda. As transações de alta frequência ajudaram a reduzir o custo de “impacto do mercado” facilitando a quebra de grandes transações em transações menores realizadas, porém, rapidamente, diz Sauter.

Os custos de negociação resultantes dos spreads e do impacto de mercado foram reduzidos pela metade na década passada, diz ele, passando de 0,5% do montante de transações com ações de grandes empresas para 0,25%. No caso das pequenas ações, os custos de negociação caíram de 1% para 0,5%. “As transações de alta frequência trazem à tona a liquidez oculta. É possível que haja algo ali difícil de encontrar. Quem atua no segmento de alta frequência acaba descobrindo isso de uma forma ou de outra. Em seguida, oferecem o que descobriram ao mercado.”

Sauter e representantes de três outras empresas de fundos reuniram-se recentemente com funcionários da SEC para discutir o comércio de alta frequência. Três ou quatro funcionários defenderam que se trata de procedimento benéfico para a indústria. Contudo, há um desacordo substancial entre as companhias de fundos, já que algumas temem o front running e a manipulação de mercado. Por causa disso, o Investment Company Institute tomou uma posição intermediária solicitando a SEC que estude exaustivamente a questão antes de expedir novos regulamentos.

Investidores de fundos mútuos x investidores individuais

Embora as transações de alta frequência beneficiem alguns participantes do mercado, há especialistas que questionam a possível existência de perigos ocultos e de instâncias justas. “Existe aí uma questão de justiça”, diz Blume. “Para cada transação, há um vencedor e um perdedor, e o pressuposto é de que os negociadores de alta frequência sejam mais especializados em detrimento de negociadores menos especializados. Será que isso é bom ou ruim? Não sei.” Se é possível auferir lucros polpudos com base em variações mínimas de preços, gente inescrupulosa poderia se aproveitar de manipulações mínimas, difíceis de detectar, como a causada por rumores de vendas na bolsa, diz ele, acrescentando, porém, que há evidências de que isso esteja ocorrendo. “Supostamente, a SEC tem os meios para policiar esse tipo de ação. Contudo, fatos recentes provam que a instituição não é tão especializada como seria de esperar.”

A SEC, diz Blume, está na corda bamba quando se trata de proteger o pequeno investidor. Quem negocia ativamente pode sair prejudicado pelas transações de alta frequência, porque não tem como competir com os computadores mais velozes das grandes empresas. Ao mesmo tempo, as transações de alta frequência podem beneficiar pequenos investidores de fundos mútuos. “Na minha opinião, o investidor de fundo mútuo deveria ser protegido à custa de indivíduos que estão negociando por conta própria.”

As vantagens para a liquidez são muitas vezes citadas quando Wall Street aparece com um novo produto ou estratégia. A necessidade de maior liquidez é o princípio tradicional a que recorrem economistas e especialistas em mercado de modo geral. Teoricamente, os mercados funcionam melhor quando os preços são reflexo do conhecimento e do insight, e não da dificuldade em encontrar compradores e vendedores. Portanto, qualquer coisa que facilite a identificação de compradores e vendedores torna o mercado mais eficiente. “No mercado líquido ideal, as transações levam os preços para onde devem estar no tocante aos fundamentos da economia”, diz Stambaugh, salientando que um volume maior de transações de um título específico fará, muito provavelmente, com que seu preço reflita com precisão fatores como ganhos atuais e esperados.

Allen observa, porém, que o comércio de alta frequência talvez não esteja contribuindo tanto assim para a liquidez conforme sugerem os números elevados do comércio. Se muitas transações estiverem associadas a pedidos de compra e venda do mesmo negociador, elas não estarão produzindo, de fato, ofertas das quais outras partes possam participar, ressalta Allen. Além disso, não é seguro partir do princípio de que todo novo produto ou toda nova estratégia criada por Wall Street é sempre algo positivo. “Qualquer aumento no volume de comércio está sempre associado nas mentes de algumas pessoas à maior liquidez”, diz Blume. “Contudo, se o comércio desestabiliza de fato o mercado [...] bem, então naturalmente não é bom.”

As transações de alta frequência não foram estudadas o suficiente para que se saiba se poderiam desestabilizar os mercados, acrescenta, e diz que os órgãos reguladores poderiam proibir temporariamente esse tipo de comércio com base em uma amostra de 25 a 30 ações. Passados alguns meses, o preço e os padrões de comércio seriam comparados com os das ações isentas de proibição.

Ao longo dos anos, diz Allen, a pesquisa acadêmica mostrou que certas decisões tomadas com o objetivo de expandir a liquidez abriram as portas para especulações danosas. “Esse tipo de comércio rápido pode dar margem a um certo furor”, observa Goldstein. Se muitos especuladores recorrem a estratégias automatizadas que desencadeiam os mesmos fatores, como quedas de preços de ações específicas, os programas talvez façam a mesma coisa ao mesmo tempo. “Isso só desestabiliza o mercado — se as pessoas começam a imitar umas às outras, coordenando as expectativas. Vejo outros vendendo, então começo a vender também.” No momento, diz ele, não se sabe ao certo se as transações de alta frequência têm potencial para gerar esse tipo de crise. “Acho que, no fim das contas, não temos a resposta por inteiro.”

As transações de alta frequência, conclui Allen, são uma prática que requer uma análise mais detalhada, como a que vem sendo conduzida pela SEC. “É preciso que façam um estudo que verifique exatamente de onde vêm esses lucros. Serão fruto de manipulação? Ou serão resultado de melhoras na forma como os mercados funcionam?